CONTOS


A caixa preta

Érico Vieira Leão Pereira
Divinópolis/MG.


Quente e escuro e úmido. A garota se comprimia no outro canto da parede, seu pulover branco apenas sugerido na escuridão, onde nos orientávamos pelo som de nossa respiração acelerada, convergindo num ritmo único, ecos reverberando no recinto diminuto, formando uma teia que nos guiava como um radar. Quando ela ergueu o pulover - som da lã roçando a a pele?... -, uma luz vermelha, de origem indefinida, refletiu-se no suor que banhava a pele ela também muito pálida, os mamilos destacando-se naquela brancura oleosa como indicadores simétricos, equidistantes a um ponto invisível no centro do esterno: venha nessa direção.

As feições eu as via através do tato, scanneando o rosto difuso com meus dedos, com a palma da mão esquerda, destro que sou. A respiração arquejante pulsando em minha mão.

Quando do orgasmo, tato, sons, visão parca se liquefizeram em luz branca sob minhas pálpebras. O suor em meu rosto resfriou-se de repente, acordando-me para a concretude indiferente da cabine, agora melhor iluminada, muito mais estreita do que sugeria sua contraparte virtual escura, e vazia. Um monitor sem brilho dizia-me em frases breves, em tipos esverdeados, que a sessão terminara, que a coleta fora bem sucedida. A cabine parabenizava-em em toda a sua cortesia automatizada.

A poltrona reclinável flexionava-se num ângulo de 90º, algo abrupta, convidando-me a me retirar. Em alguns minutos, a cabine seria esterilizada, preparando-se para receber um novo usuário.

O vento frio e empoeirado da tarde recebeu-me em toda a minha frustração pós-coito, que deveria se passar por satisfação. Aquela fora a primeira vez em que usara aquela cabine em particular, descoberta por um acaso oportuno enquanto voltava do trabalho. Dificilmente eu voltaria a ela novamente. Certamente, nunca voltaria a me encontrar com aquela mulher. Aqueles mamilos escuros formando um olhar inocente, aquele gosto único de suor, o cheiro da lã.

Quando teria ela visitado aquela cabine? Há dias, semanas, meses - anos?, eu me perguntava, desviando-me de amontoados de lixo na calçada semi-deserta enquanto me encaminhava à estação do metrô. Questão inocente, fútil: logo me esqueceria daquela mulher entrevista em saltos sinápticos sob minhas pálpebras; a experiência solitária que ela tivera naquela cabine em particular, sabe-se lá quando, aquecida pelo toque da imagem virtual e pré-gravada de um outro homem, penetrada por esse estranho, suas reações mapeadas pela cabine até o último espasmo de prazer, guardadas e reproduzidas talvez indefinidamente, ali mesmo, para o prazer de outros estranhos como eu.

Chegara à plataforma do trem-bala quando me dei conta, desnorteado com a queda daquele efêmero mundo virtual, que me esquecera de recolher o recibo da transação. Não percebera o suave alarme da máquina enquanto emitia o familiar cartão-cinza metálico, indicando que eu cumprira meu dever cívico, que meu sêmem fora recolhido em doses suficientes, que estava eximido de uma nova seção por aquela semana. Praguejei em voz baixa, diante do zunido do trem que se aproximava.Quem sabe amanhã, quem sabe no dia seguinte. As portas automáticas se abriram com um silvo histérico, urgente, diante de mim, não se importando realmente se eu entraria ou não no vagão.