CRÔNICAS


Forno

Érico Vieira Leão Pereira
Divinópolis/MG.


A sala da repartição: três paredes apertando-o contra uma quarta parede inexistente, aberta para o vapor que sobe das galerias interiores, o cheiro acre de suor e de ozônio; a vista panorâmica da caverna gigantesca: paredes porosas que se retorcem em curvas, esquinas orgânicas, desdobrando-se até onde a miopia embaça o horizonte, estalactites compostas de cubículos idênticos iluminados na semi-noite eterna de gruta, lâmpadas fluorescentes acendendo-se em estalidos - zunir subliminar, música ambiente do habitat de trabalho - em cada cubículo idêntico ao seu: em cada uma das salas que compõem a rede das paredes da caverna, um sujeito de ar ensonado arrasta uma cadeira, acomoda-se ante sua mesa, debruça-se sobre um microcomputador idêntico - único - que nubla suas feições com a luz de fósforo.

Nas galerias, mulheres e crianças, indistinguíveis em camisolas de prisioneiros, desfilam em fila indiana, equilibrando-se precariamente na borda das fossas sanitárias; sem que seja necessário um guia ou maestro, as filas assumem suas posições, como correias deslizando entre engrenagens, ante a plataforma deslizante da linha de montagem: pares intercalados.

Aguardam silenciosas, olhos baixos, pelo apito estridente, o alarido dos morcegos que acordam na abóboda da caverna em alturas que desconhecem o azul. Ao sinal do despertar, o urro premente das criaturas cegas, milhares de pares de braços frágeis com pulseiras de maternidade debruçam-se sobre as carcaças abertas de microcomputadores, estufadas passo a passo com placas e fios.

Um frêmito de alívio galvaniza levemente um corpo de uma adolescente, enquanto a urina escorre por suas pernas, desce as paredes inclinadas para o fluxo espumante do vale da fossa às suas costas. À distância, uma velha cambaleia, buscando apoio, e rola com o silêncio estofado de uma mala de roupas sujas até o fundo; seu corpo permanecerá lá, até que o fluxo se intensifique e ele seja arrastado rudemente até a desembocadura das fossas.

Você comprime seu abdômen contra a borda da mesa de escritório. Aspira o ar insalubre que nada lhe diz, graças à proteção de sua sinusite. Ajeita os óculos sobre as orelhas, as lentes refletindo o tumulto de pontos luminosos no enxame digital. Uma tomada liga sua espinha à caixa de abelhas do microcomputador: o choque, como uma chibatada seguida de um golpe de água fria, indica-lhe que o expediente se inicia.